Crasso era um dos homens mais ricos de Roma, fez e desfez cônsules, e determinou os destinos da cidade por muitos e muitos anos, até que um dia resolveu ir mais longe e comandar um exército romano para invadir e derrotar o inimigo eterno, a Pérsia (naquele momento chamada Pártia).
Arrogante e convencido das suas capacidades entrou com o exército pelas areias escaldantes do deserto, fazendo‑o marchar debaixo de um sol tórrido. Com a tropa sedenta e cansada do calor foi cercado, facilmente derrotado e morto pelos Partos, na batalha de Carras, um episódio funesto na História de Roma.
Pelo erro cometido ficou Crasso conhecido e surgiu a expressão “erro crasso”. Em vez de ficar notado pela sua capacidade, inteligência ou abastança, Crasso ficou na História como um erro, um vaidoso e um arrogante, cuja incapacidade lhe custou a vida e a milhares de homens.
Lula da Silva foi presidente do Brasil entre 2003 e 2011, José Sócrates primeiro‑ministro de Portugal entre 2005 e 2011 e José Eduardo dos Santos presidente de Angola desde 1979. Todos ficarão na História como erros crassos, e não como estadistas magníficos.
A tese deste livro é simples: a detenção do poder por parte destes três homens criou um concerto político‑financeiro espontâneo e original que terá servido para os tornar multimilionários, e promover um círculo de interesses envolvendo grandes empresas de construção, bancos, empresas de telecomunicações, negócios de petróleo, e financiamento de partidos políticos no Brasil e em Portugal.
Tratou‑se de um momento único na política dos três países. Contudo, reflete a tradição triangular atlântica, definida, historicamente, após os Descobrimentos portugueses.
No século XVII era voz corrente, no Brasil, o seguinte dito: «Sem açúcar, não há Brasil; sem escravos não há açúcar e sem Angola não há escravos».
Esta frase descrevia o essencial das economias de então: a prosperidade de Portugal assentava no Brasil e a riqueza do Brasil derivava de Angola.
O comércio transatlântico de escravos ocorreu em todo o Oceano, a partir do século XVI e até ao século XIX. A grande maioria dos escravos angolanos foram transportados para o Brasil. Os números eram tão grandes que os africanos que foram para o Brasil, por meio do comércio de escravos, tornaram‑se os mais numerosos imigrantes antes do final do século XVII.
O sistema económico do Atlântico Sul, centrado na produção de produtos agrícolas de base para vender na Europa, fez aumentar o número de escravos africanos trazidos para o Novo Mundo. Isso foi crucial para Portugal, que depois vendia estes produtos à Europa, e assim algumas das suas elites enriqueciam, que não a maior parte do povo.
Em suma, Angola fornecia os escravos ao Brasil, enriquecendo os poderosos de Luanda e da costa. Esses escravos produziam açúcar e café no Brasil, enriquecendo os seus detentores. Por sua vez, estes produtos eram transitados através de Portugal. Vê‑se que a riqueza de uns dependia de outros e vice‑versa. Existia uma forte ligação entre as três economias.
É esta dependência financeira estratégica, agora a um nível micro e individual, que Sócrates, Lula e José Eduardo dos Santos, na minha perceção e opinião, vão repetir nesta idade da globalização.
A atuação destes homens, pelo menos a partir de certo momento, não foi nenhuma gesta heroica. Pelo contrário, traduziu‑se numa destruição acentuada de valor e de pessoas, com prejuízos inomináveis para os países que governaram.
Karl Marx defendia que o papel humano tem pouca importância nos movimentos estruturantes e coletivos da sociedade. De facto, existem esses movimentos, mas o fator humano, como escrevia Graham Greene, será sempre determinante. E, neste caso, é o fator determinante de uma história de ganância, erro, cupidez e, no fim, angústia coletiva.