Estrelas de cinema a desfilar em passadeiras vermelhas com os seus vestidos esvoaçantes e decotados, actores de smoking e sorriso aberto, modelos semi‑despidas ou semi‑vestidas, consoante a perspectiva, iates balanceando no mar azul, fogo‑de‑artifício iluminando a baía, jóias e alguns filmes, a maior parte sonolentos. Assim costuma ser Cannes, o maior símbolo da joie‑de‑vivre francesa.
Há alguns tempos a esta parte, a decoração de Cannes tem sido acrescentada com mais umas peças: os filhos do antigo presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, intitulados como das pessoas mais ricas de África, mas pertencendo a um dos povos mais pobres de África.
Estes fazem chover diamantes. Não do céu, mas das páginas das notícias e das revistas de jet‑set.
A origem dos diamantes é só uma: o casal Isabel dos Santos & Sindika Dokolo.
Sindika, casado com a filha do ex-presidente, comprou o maior diamante de Angola. Kim Kardashian admira o diamante em Cannes. Jovens e esbeltas modelos passeiam‑se com os diamantes da “De Grisogono” (joalharia chique suíça pertença do casal por intermédio das habituais offshore).
A “princesa” Isabel passeia‑se por Cannes e vai à festa no “Eden Roc” para ver os seus diamantes em acção. Só glamour e diamantes. Cannes, cinema, jóias, modelos, beleza, estrelas internacionais e menos estrelas. Tudo está banhado em diamantes da família Dos Santos. Parece tudo muito bonito, muito brilhante, muito legal. A Europa chic abençoa os diamantes Dos Santos apresentados pela marca suíça.
Mesmo assim, Isabel foi superada no deslumbramento decadente por Danilo, seu jovem meio‑irmão, que irrompeu por Cannes à boa maneira do seu compadre Teodorin Obiang, filho do presidente da aliada Guiné‑Equatorial, agora condenado por um Tribunal de Paris por desvio de fundos e corrupção a três anos de prisão.
Danilo comprou num leilão de beneficência um relógio por 500 mil dólares norte‑americanos (USD). Aparentemente, destina‑se a uma Fundação chamada “amfAR”. Esta Fundação é uma organização não‑governamental dedicada ao combate à SIDA, fundada entre outros, pela actriz norte‑americana Elizabeth Taylor. E presidida, mundialmente, pela famosa Sharon Stone, a actriz bem conhecida dos portuenses por ter sido escolhida, em 2013, pela “Douro Azul”, liderada pelo empresário Mário Ferreira, para inaugurar dois barcos de cruzeiro que navegam no rio Douro. Este empresário do Norte tem um diferendo judicial com a Eurodeputada Ana Gomes, conhecida pela sua oposição ferrenha aos negócios da família Dos Santos. Neste caso concreto, Ana Gomes terá afirmado que Mário Ferreira estaria envolvido em possíveis actos de “corrupção e criminalidade económica organizada contra interesses do Estado Português”.
O Porto, aliás, tornou‑se uma das plataformas giratórias dos negócios angolanos em Portugal. Desde a compra da casa de Manuel de Oliveira por Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos, até às quintas do Douro pertencentes ao general “Kopelipa”, são vários os activos e as conexões angolanas no Norte de Portugal.
Os exemplos de Isabel dos Santos e de Danilo são uma demonstração que a falta de virtude mata qualquer pretensão de seriedade que o regime de José Eduardo dos Santos tenha tido. As chuvas de diamantes ou as compras de objectos por vaidade colocam, em questão o próprio regime: não consegue tratar das crianças do Hospital Pediátrico de Luanda, mas consegue fornecer milhões às crianças do então presidente.
Já vimos este filme. É o filme que teve como actores os filhos de Kadhafi, o filho de Obiang, os filhos do Mubarak, e muitos outros que construíram as suas fortunas na base da sombra autocrática e rapace do pai.
A questão presente é se o filme está a mudar e o futuro de Angola surge mais sorridente, acabando com as “princesas” e os “infantezinhos” perdulários…
João Lourenço, o novo presidente de Angola, parecia anunciar uma nova época, mas a verdade é que ainda no Ano Novo, Isabel dos Santos brindou todos os que quiseram ver com novas fotos estilo jet‑set tiradas nas Bahamas, em mais uma ostentação generalizada de riqueza. Todavia, José Filomeno dos Santos, filho de José Eduardo dos Santos, já foi constituído arguido num caso rocambolesco que envolve o próprio pai. Este é um tempo de expectativa para Angola, mas pode acabar por ser um tempo de desespero que, finalmente, leve à revolução necessária.