O problema racial deverá constar na agenda de discussão, entre os angolanos dentro e fora de Angola. Será igualmente valioso a participação no debate, personalidades alheias a nacionalidade angolana.
A questão racial tem raízes históricas fundadas sobre uma “memória apagada”, sobre a evangelização e sobre a colonização. Falar sobre a racialidade na Angola dos nossos dias, pressupões evocar a etiologia da questão, mesmo que não queiramos. A evocação de uma arqueologia histórica do racismo, ajudar‑ nos á a compreender porquê chegamos aqui, e porquê estamos assim neste quesito. Assim em relação a quê? Dir‑ se‑ á adiante!
O núcleo do debate aqui proposto é a operacionalização do racismo hic et nunc. Na Angola de hoje. Temos consciência sobre a sua complexidade, e os corolários vinculados a esta complexidade: por exemplo, as paixões que esta questão desperta; as incompreensões, a confusão no plano epistémico com consequências na relação interpessoal e na narrativa que é vertida para a esfera pública.
Uma análise sobre a questão a que nos propusemos, em virtude da sua complexidade, da sua “intermultidisciplinariedade”, impele‑ -nos a ler as seguintes dimensões da racialidade: sociológica (constitui prioridade para este trabalho), histórica (possui as bases fundantes igualmente sine qua non para compreendermos o estágio em que estamos). Tendo em consideração o contexto, tanto a vertente sociológica quanto a histórica cruzam com inevitáveis fragmentos da dimensão política do problema. A partir daqui o problema é escorregadio. Sai dum plano e torna‑ -se cíclico. Dai a complexidade. No nosso entender, um olhar unidireccional torna‑ -o ininteligível. Só uma análise que vê as partes, mas também o todo, poderá ter uma compreensão mínima e útil sobre o problema racial em Angola.
Um debate plurivocal sobre a questão racial, constitui sinal de responsabilidade e amadurecimento de quem pretende um projecto de nação alicerçado na democracia participativa, que convoca consequentemente a deliberação como condição para a legitimação de qualquer política e opção na condução da nação. Aliás, qualquer debate que se quer sério sobre a construção de uma sociedade aberta em Angola, independentemente da sua proveniência ideológica, deve convocar a questão racial como necessária.
A sociedade angolana está marcada por inúmeros silenciamentos — silêncio sobre a primeira colonização do povo Bantu contra os povos Kung, silêncio sobre o 27 de Maio, silêncio sobre a sexta‑ -feira sangrenta e outros massacres, silêncio referente a personalidades chaves para Angola, silêncio sobre o papel da mulher na construção de Angola como a conhecemos — entre muitos outros silêncios está a questão racial. Nestes silêncios, jogou papel essencial as opções políticas do grupo hegemónico.
Os angolanos que nasceram na era do Estado pós‑ -colonial, mesmo que não tenhamos responsabilidade directa sobre os silêncios em relação a muitas questões importantes, para o nosso amadurecimento enquanto país (ele mesmo resultante de nações em convívio), devemos fazer diferente: “disparar o tiro inicial responsável” (reafirmo: responsável), para a discussão sobre o racismo, dando as boas‑ -vindas às personalidades das gerações anteriores a nossa, que reconhecendo o erro do silêncio que presidiu a sociedade até aqui, desde que estejam abertas para lançar mão a esta empreitada com a sua visão de mundo. Encontros de perspectiva que enriquecerão o debate e o tornarão melhor, certamente.
Não se pretende atribuir a este projecto o status de ser o ponto de partida da discussão sobre o racismo em Angola. O problema se colocou entre aqueles que lutaram para a independência de Angola. Foi amordaçado no estágio embrionário!
Holden Roberto, Barreiras Freitas, Daniel Chipenda, Nito Alves, estão entre aqueles que terão insistido numa narrativa sobre a questão racial em Angola. Sabemos qual foi a sorte deste último. Nem direito ao sepultamento teve. Sua família, desde 1977 não obteve a certidão de óbito. Aqueles que nos precederam, têm o seu mérito. Mas, nós gostaríamos de relançar o debate noutros moldes: queremos relançar uma análise fora da lógica panfletária; pretendemos uma “discussão responsável” dentro de um quadro geral de um projecto de nação que seja democrático. Propomos essencialmente um debate ético, propedêutico, tendo como preocupação central a dignidade das vítimas passadas, presentes e futuras possíveis, para que se possa ter uma sociedade digna das exigências civilizacionais do mundo contemporâneo, no que o quesito ralação inter-racial e multicultural dizem respeito.